sexta-feira, 3 de julho de 2009

Espírito viajante

Clóvis Heberle

Sem restrições para viajar e conhecer o mundo. Assim, exercitando o gosto por aventuras que alimenta desde quando era jovem, Clóvis Heberle se enche de orgulho, e seus olhos chegam até a brilhar quando fala nos lugares que teve o “prazer de conhecer”. Formado em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em 1976, ele tinha o sonho de ser diplomata. Mas, a inspiração do avô paterno Theobaldo Weiler, que escrevia, em alemão, para o Jornal do Dia, pertencente à igreja católica, fez com que ele optasse pelo jornalismo.


Da infância, lembra da pescaria com os primos e dos banhos de riacho. Nascido na cidade de Três Passos, no dia 2 de fevereiro de 1950, Clóvis veio morar em Porto Alegre com 13 anos. Depois disso, nunca mais voltou à sua terra natal e diz que não tem interesse de voltar porque a cidade não possui mais as mesmas características de antes. “Prefiro continuar com esta lembrança forte na minha cabeça. Nem penso em voltar lá para não me decepcionar. Não quero apagar aquela lembrança da infância.”


Segundo o jornalista, sua adolescência foi complicada, pois saíra de uma cidade pequena para vir morar na Capital, o que lhe dificultou ter amigos conhecidos na cidade. Terminou o Ensino Médio (que na época se chamava Curso Secundário) no Colégio Estadual Júlio de Castilhos.

Uma viagem inesquecível
Com 20 anos, Clóvis ingressou na faculdade com muitas perspectivas. No primeiro ano como universitário conseguiu emprego na Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) e também, como locutor, na Rádio da Ufrgs. A partir daí, se dedicava aos trabalhos, além dos estudos. “A rádio foi meu emprego mais tranquilo, pois não havia competição.”
No final de 1971, no auge da ditadura militar, o País estampava sua propaganda oficial, nas televisões, rádios e jornais: “Brasil, ame-o ou deixe-o!” Em busca do sossego e com vontade de fugir do “tumulto” que rodeava o país, Clóvis e mais seis colegas de faculdade resolveram viajar por toda a América do Sul. Mochila nas costas e instrumentos debaixo do braço, o grupo que tocava música brasileira partiu de Porto Alegre sem roteiro de viagem definido, nem lugar certo para se hospedar.


A banda seguiu até Uruguaiana de trem, atravessou a fronteira e foi tocar na Argentina. Logo se depararam com outros quatro músicos que também haviam saído do Brasil com um motor home. O grupo virou uma banda com 11 integrantes e seguiu viagem, fazendo shows para sobreviver. Depois de dois meses, em La Paz, na Bolívia, os amigos gaúchos se separaram. Os que tinham saído de Porto Alegre permaneceram na Bolívia e Clóvis seguiu com os cariocas, que, além de música, também fabricavam e vendiam brincos e colares.


No Peru, após muitos problemas mecânicos com o ônibus, os cariocas voltaram para o Brasil. Clóvis seguiu viagem com dois gaúchos que havia conhecido. Na base da carona, os três foram parar no Equador, onde cantavam em praças, bares e restaurantes. Acabaram conhecendo três americanos e um colombiano, com quem moraram por algum tempo. Depois dos sonhos realizados, aventuras alcançadas, desilusões e até a utilização de algumas drogas como maconha, cocaína e ácido lisérgico, os vistos de cada um já estavam precisando de renovação. Então, Clóvis retornou à cidade gaúcha.


Depois da viagem, um profissional
Hoje, com cabelos brancos, o jornalista lembra com muito carinho da época e afirma que a viagem foi fundamental para o seu lado existencial. “Saí daqui um guri bobo, achando que conhecia muito, mas que na verdade não sabia nada. Voltei um homem feito para encarar os desafios que apareceriam.” Toda a história da aventura, desde o início, está relatada em um blog, o qual Clóvis pretende transformar em um livro. Além deste, ele mantém o Correcaminos, onde posta algumas de suas fotografias, informações sobre livros, filmes, viagens que faz e algumas de suas curiosidades.


Em 1972, retomou os estudos na universidade. Da rádio da Ufrgs, Clóvis foi trabalhar na Continental, uma rádio jovem da época que continha noticiários feitos com uma linguagem mais coloquial. Demitido da Continental, foi contratado para trabalhar na TV Gaúcha, a atual RBS TV. De lá, em 1974, foi convidado por Antonio Britto para trabalhar como redator na Central do Interior da empresa Caldas Júnior.


Em 1980, começou a trabalhar na Rádio Gaúcha e, menos de um mês depois, passou a chefe de reportagem na RBS TV. Em 1987, convidado por Núbia Silveira, foi atuar na redação da Zero Hora. Paralelamente, trabalhou na Assembleia Legislativa e na sucursal do jornal O Globo, como repórter. “Meu trabalho na RBS tinha a função de integrar, na mesma direção, a rádio, a televisão, o jornal. Eu tinha que mostrar como trabalhava bem uma empresa integrada.”
Durante o tempo em que trabalhou na Agência RBS (antes de se tornar Grupo RBS), viajou para muitos locais. Para ele, este foi um dos momentos de maior satisfação em sua carreira, pois visitou lugares que jamais pensava em conhecer, como Barcelona, Canadá, Dinamarca e Emirados Árabes. Outro momento de grande prestígio foi a conquista do Prêmio ARI de Jornalismo, em 1997, pela produção de um caderno que trazia o desenvolvimento da história e origem do Rio Grande do Sul.


Segundo ele, a profissão de jornalista proporcionou muitas alegrias. Mas ressalva que “durante muitos anos não tive folga, feriados e Carnaval. Vi que era hora de parar.” Em agosto de 2005, após 35 anos de contribuição para o jornalismo, Clóvis decidiu se aposentar. Atualmente, está feliz por poder administrar o seu tempo, sem concorrências e sem estresse. Um dos objetivos para o próximo ano é o lançamento do livro sobre a história do jornalista Breno Caldas Júnior, que completaria 100 anos em 2010. Para a publicação, Clóvis está realizando um trabalho de pesquisa histórica, juntamente com os jornalistas Celito de Grandi, João Borges de Souza e Núbia Silveira.


Dia-a-dia com tranquilidade
Com certa timidez, que às vezes até o deixa ruborizado, Clóvis conta que sua rotina diária começa por volta das 8h quando seu cachorro Lord, da raça yorkshire, o acorda. A primeira função do dia é passear com o cãozinho de sete anos. Depois do passeio, geralmente, o jornalista se informa através da leitura e prepara o café da manhã regado a muitos sucos, granola, iogurte e pão preto.
Casado há 36 anos com a advogada Laís Lobato Heberle, também aposentada, segue o dia fazendo tarefas às quais antes não tinha tempo para se dedicar. “Faço pequenas coisas que antes não conseguia fazer. Cuido da casa e da minha mulher, pois sempre fui um marido muito ausente. Também gosto muito de cozinhar.”


No esporte, suas preferências são andar de bicicleta, nadar, praticar hidroginástica e caminhar. Enquanto está em casa, ouve diferentes tipos de música. “Tenho uma discoteca bem variada. Tudo depende do momento e do estado de espírito em que estou.” Em sua estante podem ser encontrados variados estilos musicais como blues, música folclórica argentina, uruguaia e andina, bossa nova, rock e música clássica. Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, João Gilberto, Caetano Veloso, Mozart, Vivald e Tchaikovsky são alguns dos CDs que ele tem.


No verão, de novembro até maio, Clóvis e sua esposa praticamente moram na praia de Imbé. Quando o inverno começa, o casal, que não possui filhos, volta a morar em Porto Alegre. Uma de suas práticas habituais é ir quase todos os invernos para o Nordeste. Florianópolis é outro lugar que está sempre em seus roteiros de viagens, até porque tem um gosto especial por esta cidade: “Quero morar lá um dia e fazer uma pós-graduação.”


Apesar de admitir ter sido muito feliz na profissão, ele não pensa em voltar para a concorrência do mercado de trabalho. Se estabilizar em alguma cidade e trabalhar em algo que não lhe exija uma rotina diária são alguns planos para o futuro. “Gostaria de trabalhar como tradutor e me manter em atividade, mas, sem rotina diária.”


Além das viagens que realizou a trabalho, depois de aposentar-se conheceu também Argentina, Chile, Uruguai, o Sertão e todo o litoral brasileiro até São Luiz do Maranhão. Entre os lugares que ainda gostaria de conhecer estão a África, o Himalaia, o Saara e o Tibet. Em uma escala na Alemanha, Clóvis passou um dia na cidade de Frankfurt, onde teve “boas sensações” devido a sua ascendência alemã. “Gostaria muito de conhecer este lugar.”


O jornalista não dispensa a soneca de 20 minutos depois do almoço e gosta de dar valor às coisas simples, como um bom vinho que, necessariamente, não precisa ser caro, um belo dia de sol ou até uma flor. Atualmente, o que ele mais preza em sua vida é o fato de ser dono do seu tempo e de seu espaço. “Por quase toda a minha vida, eu vendi 10 ou 12 horas do meu dia para alguma empresa. Agora, eu e minha esposa somos donos da nossa vida e esse é meu grande privilégio.”
O que mais lhe deixa feliz é, hoje, poder levar uma vida saudável, com muita alegria, poder programar suas coisas, destinar suas viagens e organizar seus horários. “Preservo muito minha liberdade. Quero manter sempre esta harmonia familiar e continuar fazendo minhas viagens.”

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