sexta-feira, 3 de julho de 2009

Paixão pelo preto e branco

Jacqueline Joner

Independência desde cedo foi um traço que marcou a infância de Jacqueline Rosane Cardoso Joner. Jacque, como é geralmente chamada, lembra dos vestidos que desenhava quando era criança e levava até a costureira sem a ajuda da mãe. Os cortes, os ajustes, o tamanho, o tecido, tudo era ela quem decidia, a partir de uma sensibilidade para o desenho e para a pintura que começou desde muito cedo, quando ela tinha oito anos.


A liberdade que tinha, dada pelos pais Nolly Joner e Themis Cardoso Joner, é outro ponto que Jacqueline lembra ter enquanto morava na cidade de Santa Rosa, onde nasceu em 4 de janeiro de 1953. O pai, político e contabilista, trabalhava com cooperativas agrícolas e, em 1964, foi eleito deputado estadual. Assim, com 11 anos, ela teve que deixar a cidade do Interior, os amigos e a escola para residir na Capital. A fotógrafa trocou sua casa “enorme”, com pátio e pomar, por um apartamento no bairro Cidade Baixa. Credita a estas mudanças o fato de ter vivido o que considera uma adolescência reclusa, mas com muita leitura.

Aos 18 anos, começou a despertar o interesse por Porto Alegre. “Comecei a me comportar como alguém que assumia a cidade e se sentia bem nela.” No colégio Sevigné, onde estudava, conheceu a amiga Beta. As duas tinham uma paixão em comum: livros e cinema. Juntas, adoravam se fotografar com uma “antiga” câmera que a mãe de Jacque havia comprado.

O amor pela fotografia
O gosto pela pintura e a vontade de fotografar levaram Jacqueline a se inscrever no vestibular para o curso de Jornalismo e, em 1973, ela ingressou na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC). Durante um ano, cursou a disciplina de Fotografia e foi sentada à beira de uma calçada que ela se apaixonou por esta arte. Folheando um jornal, viu a foto de uma mulher com traços indígenas carregando, em uma mão, uma criança, e em outra, uma trouxa de roupas. Ao fundo, uma estrada sem fim. “Eu achei aquilo tão lindo, tocante e, ao mesmo tempo, cultural.”

A partir daí, Jacque resolveu seguir outro tipo de linguagem: ao invés das palavras, ela queria passar as informações aos leitores através de imagens. Em 1974, começou a trabalhar como estagiária na Zero Hora, juntamente com Eneida Serrano, Jussara Coelho e Lisete Guerra. Antes das quatro fotógrafas, somente uma mulher havia trabalhado na ZH, o que, segundo ela, originou-se um preconceito, por parte da redação e de outros fotógrafos, por elas serem mulheres e universitárias.

Como eram “diferentes” por estarem cursando o ensino superior, Jacqueline, Eneida e Jussara foram demitidas. Lisete continuou pelo fato de ter optado por outro tipo de fotografia: a de moda. Durante o período na ZH, Jacque conheceu um vilarejo pobre, chamado Burgo, em Caxias do Sul. Deste lugar, fez um ensaio com fotos dos moradores do local. Foi aí que ela desenvolveu um interesse pelo social, pelo comportamento humano.

Durante algum tempo ficou desempregada, fazendo freelancer em uma agência de fotografia onde conheceu o também fotógrafo Luiz Abreu. Nesta época, Jacqueline trabalhou com Isnar Ruas, profissional de quem sempre teve apoio e que na época montara a agência Intermédio, juntamente com Ana Amélia Lemos e outros sócios.

Em 1976, ano em que se formou, Jacqueline começou a trabalhar como editora de fotografia na Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (Coojornal), uma entidade criada por jornalistas que se reuniam para editar publicações e trabalhar por conta própria. “Muita gente importante do jornalismo gaúcho trabalhou lá, como Elmar Bones e Rosvita Saueressig”, relembra ela.

No final da década de 70, começou a captar imagens para uma revista da Coojornal, chamada Agricultura & Cooperativismo. Mesmo depois de sair da cooperativa, Jacque continuou se dedicando a este projeto. Com o seu primeiro marido, também jornalista, André Pereira, morou e viajou pelo interior do Estado fotografando a vida dos colonos no Rio Grande do Sul. “Esse período foi muito importante na minha vida. Foi lá que eu fiz as fotos que uso até hoje e pelas quais tenho muito carinho.” Através da ajuda de uma fotógrafa italiana chamada Stefania Brill, as fotos dos colonos percorreram o Brasil e o mundo.

Início das exposições
Em 1979, juntamente com os fotógrafos Luiz Abreu, Eneida Serrano e o irmão Genaro Joner, Jacqueline montou a agência de fotografia Ponto de Vista. O trabalho com os colonos seguiu até 1983, quando foi concluído com a exposição chamada “O funeral de Olinto Soitera”. Nesse mesmo ano, ela voltou para Porto Alegre e continuou trabalhando como freelancer. Em 1986, Jacqueline foi convidada para ser a editora de fotografia de um novo projeto de jornal em Porto Alegre: o Diário do Sul, ligado à Gazeta Mercantil. “Era um projeto diferenciado, com design gráfico bastante sofisticado. Ele tinha um jornalismo criativo e interpretativo.”

Após dois anos, o jornal acabou fechando e Jacqueline foi convidada pelo Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs) para expor as fotografias que havia produzido durante o período em que trabalhou na publicação.

Em 1989, ela abriu o Atelier de Photographia onde trabalhava para várias empresas e produzia até capa de CDs. Durante este período, construiu trabalhos autorais que mais tarde se tornariam exposições. Nos anos 90, surgiu a proposta de um livro no qual sete escritores retratariam, cada um, uma década. Jacqueline fotografou Cyro Martins, Carlos Reverbel, Lya Luft, Luis Fernando Verissimo, José Antônio Pinheiro Machado, Tabajara Ruas e João Gilberto Noll, para a publicação que se chamou “Sombras e Luzes, um olhar sobre o século”.

Outra exposição que começou a nascer foi “Retratos de Casamento”. Durante seis meses, Jacqueline ficou em Santa Catarina fotografando casais dos mais diferentes tipos. Altos, baixos, gordos, magros, brancos, negros foram os personagens da exposição que venceu o Prêmio Concorrência Fiat de Artes Plásticas. As fotos acabaram correndo todo o Brasil, como de costume.

Professora: teoria, rigor e afeto
Em 1999, Jacqueline foi indicada pelo fotógrafo Eduardo Tavares para lecionar durante seis meses na Unisinos. Mesmo apreensiva, aceitou o convite. Os olhos dos alunos, “ansiosos pelo saber da fotografia”, fizeram com que ela se apaixonasse por dar aulas. “Eu tinha tanta experiência e conhecimentos guardados dentro de mim, por que não passar adiante?” Gostou tanto que, em 2001, virou professora da PUC.

Em 2003, ela foi convidada a participar de um novo curso da Unisinos, desta vez sobre Cinema. De volta a esta universidade, Jacqueline teve que recriar a disciplina de Fotografia. “Eu desmanchei tudo que estava pronto e montei uma nova infraestrutura.” No currículo do novo curso, a professora incluiu teoria, prática, rigor e afeto aos alunos, que, segundo ela, era quase o mesmo que ela dava aos filhos. O trabalho se estendeu até julho do ano passado, quando deixou a universidade para “tirar férias e repensar o que queria da vida”.

Nesse mesmo ano, ela lançou a exposição “Aleluia”, na qual retrata imagens de algumas partes e texturas do corpo de um homem negro: o de seu marido, o ex-aluno Mauro de Souza, 56, com quem é casada, pela terceira vez (antes, esteve casada durante oito anos com o jornalista Airton Kanitz). Atualmente, Jacque está fazendo pós-graduação em Poéticas Visuais – Desenho, Pintura e Processos Híbridos, na Feevale. Além disso, aos sábados realiza aulas no Projeto Contato, onde trabalha o aprofundamento da Fotografia, ensinando aos alunos como olhar através da câmera.

Contemplação de pequenas coisas
Atualmente, com 56 anos e cabelos curtos, quase raspados, Jacqueline adora fazer de tudo e ao mesmo tempo não fazer nada. Suas preferências nos dias de folga são ficar em casa e ler. Contempla tanto as grandes obras de arte, quanto uma pedra no meio da rua. A fotografia, a pintura e as artes plásticas são alguns de seus passatempos, expostos nas estantes e paredes de seu apartamento. “Tenho que me mudar para uma casa maior. As paredes estão cheias de quadros e quando eu pinto, voa tinta por tudo”.


Ela se diz feliz e, em Mauro, garante ter certeza que encontrou o grande amor da sua vida. “Ele é para sempre. A gente sabe quando vai envelhecer ao lado de uma pessoa.” Os filhos Pedro, 31, formado em Educação Física, e Camila, 26, formada em Turismo e pós-graduada em Design, ambos do primeiro casamento, são também personagens que estampam as fotografias anexadas junto às paredes.


No sofá da sala de sua casa, com cigarro no meio dos dedos, a fotógrafa chega a se perder no meio de tantas pastas com currículos, portfólio, exposições e palestras. Mas, todos eles têm uma característica em comum: o retrato, formato que prevaleceu junto ao seu nome desde a época que ela e sua amiga Beta se fotografavam.


Uma de suas motivações é a vida, é estar viva. Ela se define como uma pessoa um pouco triste e muito sensível a qualquer tipo de sentimento ou beleza, que a cada dia tenta aprender em cima de seus erros. Sua principal marca é a verdade, característica que coloca em cada uma de suas exposições.


As fotos que levam o nome Jacqueline Joner já percorreram o Brasil, Argentina, França, Itália, México, Nicarágua, Portugal, Rússia e Suíça, e estão, ou estiveram, em lugares como Margs, Masp, Museu de Imagem do Som, Fundação Nacional das Artes (Funarte), entre tantos outros lugares. Apesar de todo o conhecimento que este nome leva, o exterior mais longe que a fotógrafa já conheceu foi Buenos Aires e nem ela entende direito como suas obras se desenvolveram no exterior.


Em seus planos, cidades como Nova York e Paris aparecem como primeiro destino de viagem. Se vai alcançá-los, ou não, Jacqueline não sabe. Mas do que ela tem certeza é de que, enquanto tiver os filhos do seu lado e o amor do marido, terá motivação de sobra para continuar vivendo e realizando o que mais gosta fazer.

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